Excerto - In livro A VEREDA DOS GIRASSÓIS MORTOS (Autora: Verónica Su-Kira)


Imagem: Todd White (USA) toddwhite.com

“Na aldeia, as pessoas eram como uma grande família. Apoiavam-se e confiavam umas nas outras; constituíam uma boa vizinhança de longa data. O medo vinha de fora, da hipótese de uma guerra civil, duma invasão de militares enfurecidos e descontrolados ou dos revoltosos que não se importavam de perder a vida em nome da liberdade.

A gente da aldeia queria-os a todos bem longe, soldados e rebeldes, que fossem fazer a guerra para outra freguesia — dizia-se, nas esquinas, em altos gritos.

Já Benjamim de Sousa afirmara categoricamente que uma guerra civil seria inevitável. 

«Vossemecê cale-se, porque gente como vossemecê não tem terra. Não é preto nem é branco. Nós, sempre havemos de fugir para o Putu[1], mas os café-com-leite[2] como vossemecê, não são nem de cá nem de lá...» — dizia o velho Penetas. 

«Não se esqueça, meu caro amigo, que o meu pai era branco como o amigo António. Perdoe-me a insolência, o senhor tem idade para ser meu pai, mas se vocês não se pusessem em cima das nossas tetravós, não havia cafés-com-leite como eu, meu caro amigo...» 

«Ora, ora, amigo Benjamim, o que seria de nós, sem estas tórridas mulheres? Vamos lá reconhecer: Deus fez o branco e o preto, e o português fez o mulato! É, ou não é, meus amigos? Somos todos uma grande família! Vai mais um copo, que quem paga, é aqui, o velho Pernetas!»

E as bebedeiras sucediam-se por entre piadas e discussões, sem consequências."



[1] Termo usado em Angola, na era colonial, para designar Portugal.

[2] Mulatos.

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